quarta-feira, 11 de junho de 2025

Honrar a memória não é uma virtude… é um dever


Sílvio Teixeira nos anos 60 era um dos homens proeminentes em Vila Real. Filho de um ourives com loja na rua Direita, transformou o estabelecimento numa loja de ótica e mais tarde dedicou-se também à edição de medalhística, cabendo-lhe a edição e colecionismo das mais importantes medalhas e troféus comemorativos da cidade e de outras regiões.

Como numismata, recuperou e pagou, em 1974, a medalha de prata do Circuito Automóvel de Vila Real datada de 1933, que andava “perdida” e descobriu na zona de Lisboa, alimentando mais tarde, já neste século, uma polémica com a Câmara Municipal que lhe exigiu, por “expropriação”, essa sua medalha.

Mas, o que me leva a recordá-lo hoje aqui? Apenas e só porque graças ao seu gosto pelos produtos de ótica, foi fundador, em 1965, da Fábrica das Lentes, que se tornou uma das maiores empregadoras da cidade, exportando as suas lentes para todo o mundo. Naquele tempo, era o tempo do Estado Novo, trazer para a Bila, escondida pra cá do Marão, um investimento destes era uma aventura que hoje poucos imaginarão. Ao deixar a fábrica, montou uma pequena loja de distribuição das lentes ali produzidas.

Faleceu há alguns anos num lar de idosos da cidade.

Há pouco mais de uma semana, a "sua" Fábrica das Lentes, hoje uma referência mundial, festejou 60 anos de existência. Estranhei não ver o nome de Sílvio Teixeira em lado nenhum.

E mais não digo. Começo a habituar-me a estes “vazios” nas memórias de Vila Real.

terça-feira, 15 de abril de 2025

Gonçalo Fernandes, o estratega da Excelência

 


O Centro de Estudos em Letras (CEL), liderado pela UTAD numa partilha com a Universidade de Évora, a que me orgulho de pertencer como Investigador Integrado, acaba de obter a classificação de EXCELENTE, ou seja, a posição máxima na avaliação da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT).

Está de parabéns toda a equipa de investigadores, especialmente o seu diretor Gonçalo Fernandes e demais elementos da direção (o vice-diretor Fernando Gomes, da Universidade de Évora, e o secretário-executivo Rolf Kemmler, da UTAD). Muito trabalho e muita qualidade em projetos de áreas científicas fundamentais, muita persistência, publicações reconhecidas na comunidade científica nacional e internacional, objetivos claros e bem fundamentados, foram os grandes trunfos que conduziram o CEL, em vias de atingir os 20 anos de existência, a tão elevada classificação.

Em particular, deixo o meu reconhecimento e louvor ao grande empenho do meu bom amigo Gonçalo Fernandes, professor catedrático, que deixou o lugar de vice-reitor da UTAD, a meio do mandato, para se dedicar, com todo o seu saber e dinamismo, ao plano estratégico deste Centro de Investigação. E o resultado aí está.

In: Diário de Trás-os-Montes

www.facebook.com/alexandre.parafita.escritor

quarta-feira, 9 de abril de 2025

Lembrando dois "aristocratas" da velha Bila…

 

O Dr. Nuno Botelho, no seu incorrigível instinto desafiador, a provocar o nosso querido Zé Macário, no jantar de aniversário do histórico jornal “A Região”, nos anos 80, no Hotel Tocaio (hoje Hospital da Luz). Era eu o diretor.
Nuno Botelho já partiu. E que saudades deixou! Com porte de aristocrata, era um grande orador, um verdadeiro tribuno, cujos dotes se impunham em qualquer tertúlia. Entre tiradas de humor e ferroadas, citava os clássicos com o mesmo rasgo de um homem do povo a citar provérbios. Era uma escola ambulante de bom senso, valores éticos e cidadania.
O Zé Macário, grande amigo, de olhar arguto, silencioso, sibilino e austero, impecável no traje, sempre galante com as damas, carrega um vasto curriculum de censor vigilante dos desmandos e flagrâncias das classes nobres da velha Bila. Historiador do quotidiano, ninguém lhe escapava no furor crítico de antigo correspondente de jornais. Como fotógrafo, com estúdio aberto que teve na rua Direita, é certamente detentor de um espólio valiosíssimo que documenta as rotinas políticas e sociais que outrora fervilhavam na urbe, no pós 25 de Abril. Valeria a pena catalogá-lo e estudá-lo. Deixo esse desafio.

quarta-feira, 19 de março de 2025

O ADN do grande Camilo continua em Vila Real


Poucos o saberão, mas nas veias deste Homem, o meu grande amigo de há décadas José António Castelo Branco, corre o mesmo sangue de Camilo Castelo Branco, de quem é trineto. Vive em Vila Real.

Bastaria comparar as fisionomias para chegar facilmente a essa conclusão.

É um ator e declamador de grandes méritos, que teima, há anos, numa missão ousada e pouco reconhecida, divulgar nas ruas, em feiras do livro, em bibliotecas, a figura do grande romancista.

E que diz sobre isto o Ministério da Cultura? Alguém da Cultura já se preocupou em saber quem é este Homem e o que faz e em que condições?

Na imagem da direita, registada pela RTP em 1988, eu próprio (porque estava lá) o ouvi a enfrentar Mário Soares, numa visita à UTAD, assumindo a figura de Camilo, e a exclamar:

«Querem homenagear-me, ilustríssimos académicos? Pois bem, estudem-me! Estudem-me nas escolas!»

E, paradoxalmente, hoje, quando se celebra o seu bicentenário, a obra de Camilo continua quase ignorada nas escolas!


sábado, 22 de fevereiro de 2025

Bento da Cruz: faria hoje 100 anos



Nasceu numa pequenina aldeia do Barroso (Peireses) numa família pobre. Em menino, foi um dos humildes pastorinhos que nesse tempo ajudavam, com o seu trabalho, o sustento do lar (o trabalho é pouco, mas quem o perde é louco…). Depois entrou para o seminário para ser padre, que era então a saída possível para um projeto de vida alternativo às agruras do campo. Ainda entrou no noviciado, mas depressa a vocação o empurrou para outros rumos. Outra vocação o fez médico e estabeleceu-se no Barroso, regressando às origens para servir, nessa qualidade, os seus conterrâneos, especialmente os mais humildes. E enquanto lhes curava os males do corpo, curava-se ele da vontade irreprimível de resgatar as memórias e vivências do seu povo, que foi projetando na sua vasta obra literária.

Por isso, não perdemos tudo com a sua partida, há 20 anos, em agosto. Deixou-nos as suas memórias em obras marcantes como: O lobo guerrilheiro, Planalto em chamas, O retábulo das virgens loucas, Histórias de Lana-Caprina, O Lobo Guerrilheiro, Histórias da Vermelhinha e Planalto de Gostofrio.

In: Diário de Trás-os-Montes


quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Uma manta e uma broa de pão

 



Num país que se afirma civilizado, em pleno séc. XXI, somos surpreendidos amiudadas vezes por notícias que nos atiram aos olhos situações revoltantes em que se acham os nossos idosos: lares ilegais sem conforto e segurança, com idosos maltratados, humilhados e agredidos; idosos abandonados nos hospitais onde entram nas urgências, depois recebem alta médica mas não têm retaguarda familiar ou institucional que os acolha.

Em 2023, a estatística indicava que perto de 1700 pessoas eram mantidas de “forma inapropriada” nos hospitais. Muitas sem família que as queira ou possa acolher e outras abandonadas pela Segurança Social, que o mesmo é dizer pelo Estado, incapaz de garantir um lugar num lar de 3ª idade a quem apenas recebe uma mísera reforma de 300 euros, sendo o custo médio num lar superior a 1.400.

No lendário de algumas regiões, alude-se, simbolicamente, ao abandono dos velhos em montanhas isoladas. Existem mesmo locais referenciados. No Monte Córdova, em Santo Tirso, há um lugar denominado “Picoto do Pai”, onde a lenda diz que, em tempos idos, os filhos iam deixar os pais para aí terminarem os seus dias, deixando-lhes uma manta e uma broa de pão. Conta-se que um dos velhos levado num carro de bois por um filho, aconselhou-o a que lhe deixasse só metade da manta e levasse a outra metade para quando chegasse o seu torno. “E porquê?” ­ perguntou o filho. “Pois então? ­ respondeu o velho – Até aqui trouxe eu meu pai, tu trouxeste-me a mim, e teu filho há de trazer-te a ti”. Ouvindo tal, o moço apressou-se a repô-lo no carro e voltou com ele para casa, terminando assim por aqueles lados esse terrível costume.

Nesta lenda, historicamente improvável, há uma mensagem simbólica que procura despertar a consciência das sucessivas gerações para que os idosos tenham um entardecer de vida digno. Uma consciência que parece arredia de quem vem governando este país, onde a metade da manta é a miséria das soluções de solidariedade social que o Estado oferece aos seus idosos.

in JORNAL DE NOTÍCIAS, 31-10-2024


sábado, 21 de setembro de 2024

 


Luiz Paulo Manuel de Menezes de Mello Vaz de Sampayo, antigo Reitor da UTAD, poucos o saberão, mas foi também um notável historiador, um dos mais “incómodos” historiadores dos finais do séc. XX, ao corrigir graves erros da História de Portugal.

Por exemplo, como genealogista, demonstrou, com documentação irrefutável, o erro histórico ou a ilusão que outros historiadores alimentavam, sobre a nacionalidade portuguesa de Cristóvão Colombo.

Mas demonstrou mais: Portugal perdeu a independência para Espanha em 1580 por absoluta ignorância ou má-fé de uma certa nobreza frustrada ou falida desse tempo. Na verdade, o Prof. Sampayo, com quem tive o gosto de trabalhar, divulgou em 1997 o “assento de batismo” de D. António Prior do Crato, datado de 1544, que foi descobrir na Sé de Évora, o qual provava ser filho legítimo de D. Manuel I (e não ilegítimo como a História tem insistido ao longo dos séculos). Por essa razão, seria ele, legitimamente, o 18º Rei de Portugal e não, como sucedeu, o Rei Filipe II de Espanha. Para além da velha e triste ilusão de que D. Sebastião viria salvar a nação num cavalo branco em manhã de nevoeiro... foram 60 anos de hegemonia espanhola que nunca deveriam ter acontecido.

Luiz Sampayo nasceu em França e morreu em 2006, em Vila Real, praticamente ignorado pela comunidade e pelas instituições. Injustamente.

Aqui lhe presto a minha homenagem.