segunda-feira, 25 de junho de 2012

Júlio Montalvão Machado: a cultura ficou mais pobre



Foi conhecida esta noite a morte de Júlio Montalvão Machado, médico flaviense, conhecido especialmente como político, historiador e homem de letras. A Região perde, assim, uma figura que muito fez pela cultura e pela afirmação da transmontaneidade.
Como Governador Civil de Vila Real, nos anos que se seguiram ao 25 de Abril, teve papel relevante na fundação da nossa Universidade, ao reunir e impulsionar as forças vivas locais em torno do projecto emergente do então Instituto Politécnico.
Como homem de cultura escreveu algumas das páginas fundamentais na compreensão da história antiga e moderna da região transmontana, sendo de realçar a obra “Crónica da Vila Velha de Chaves”, a par de valiosos estudos sobre a implantação da República, a história dos Defensores de Chaves e a vida do antigo Primeiro-Ministro e seu familiar António Granjo, cruelmente assassinado na famigerada Noite Sangrenta da 1ª República.

         Pessoalmente, devo-lhe a gratidão da sua amizade, que deixou vincada em vários momentos inesquecíveis, em especial na apresentação que fez do meu livro “A Mitologia dos Mouros”, em Valpaços, onde aprendi quase tanto como durante os meses em que o escrevi.  
Alexandre Parafita
in Diário de Trás-os-Montes
Na foto de:  
o Presidente da Câmara de Valpaços, Eng. Francisco Tavares, 
o então Governador Civil, Dr. António Martinho, eu próprio, 
e o Dr. Júlio Montalvão Machado apresentando a obra.

segunda-feira, 11 de junho de 2012

António Lourenço Fontes: Um padre em busca de um Céu na Terra


Confessou, numa biografia que sobre si se escreveu há uns dez anos atrás, ter escolhido ir para o Seminário para poder ter um rádio. Isto porque, nos recuados anos quarenta do Sec. XX, possuir um rádio representava um poder sem igual. E quem o possuía na sua aldeia, Cambezes do Rio, era, unicamente, o pároco, que do alto da janela, onde o exibia orgulhoso, dava oportunidade aos paroquianos de ouvirem as celebrações religiosas.

Para o Padre Fontes, contudo, possuir um rádio traduzia um poder que ia para além do prestígio. Era um poder que valia pela capacidade única de avistar horizontes amplos, infindáveis, mas também de permitir uma certa evasão intelectual. E foi, em boa verdade, este poder que começou por seduzir o Padre Fontes na inocência dos seus primeiros anos.

“Não vás para padre que te capam”, ainda o avisaram os vizinhos. Mas a ninguém deu ouvidos, nascendo assim um dos padres mais conhecidos e mais controversos do país. Irreverente quanto baste, mediático, combativo, insatisfeito, tornou-se um verdadeiro “ex-libris” das terras de Barroso. Só para o conhecerem, formam-se fiadas de excursões de todo o País. Enche, como poucos, as igrejas onde celebra.

Homem simples, comum, rebelde, satírico, respingão, jamais se afastou do perfil conspícuo de cura de aldeia, preocupado com a melhoria espiritual e material da vida dos seus paroquianos. Ganhou, no entanto, relevo natural o carisma de homem público, estudioso da cultura do seu povo, conferencista atarefado, resistente a caprichos convencionais das autoridades religiosas, cultivador de “ciumeiras” corporativas.

Quando em tempos lhe perguntaram se, como homem “bem apessoado”, nunca teve intimidades com mulheres, ele respondeu simplesmente:

– Não tenho por que me queixar.

Tal e qual. Espontâneo e directo. Deixando ao critério de ouvidos mal ou bem intencionados o desfrute caprichoso da resposta ambígua. Assim é o Padre Fontes. Um homem que luta em prol de um Céu na própria Terra (situada no Barroso, de preferência). Perto das imperfeições humanas e longe de algumas obsessões clericais.


Ps. – Muitos esperavam que ontem (10 de junho) o Presidente da República condecorasse o Padre Fontes, correspondendo ao apelo de um número de qualificados proponentes (pelo menos uma dezena de deputados da Nação). Apelo ignorado, como se viu, o que em nada nos espantou: há universos culturais e simbólicos enraizados no Portugal profundo que, por ignorância ou preconceito, continuam a passar ao largo da lógica snob e bafienta dos salões da capital.


Alexandre Parafita
in Diário de Trás-os-Montes

Foto de Ana André
Legenda: Alexandre Parafita, Bento da Cruz, Padre Fontes, Pires Cabral