sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Quem são, afinal, os mouros?

 


            A convite do Centro de Estudos Luso-Árabes de Silves, coube-me participar naquela bonita cidade algarvia num interessante simpósio sobre as múltiplas expressões do legado cultural Al-Andaluz em Portugal. Um profícuo momento para reposicionar, na história e na tradição, o conceito de “mouro” que os manuais escolares e os catecismos nos mostraram, no quadro da Reconquista Cristã, como um povo invasor e cruel, com as inerentes consequências na construção de um imaginário popular negativo projetado nas lendas.

            Em boa verdade, a grande maioria das lendas e as narrações históricas que as inspiram ignoram o lado fascinante dos árabes, mesmo com os estudos cientificamente credíveis a deixarem claro como a chamada Invasão Muçulmana foi essencialmente uma invasão cultural. Ninguém invade território algum sob o poder das armas quando traz consigo o seu agregado familiar. De resto, tendo estado por cá oito séculos, como poderiam ter permanecido numa lógica exclusiva de perversidade e opressão?

            Ainda hoje, vemos uma má vontade coletiva alimentada pela tradição em relação aos mouros. No Norte, muitos tentam ofender os do Sul chamando-lhes “mouros” e conhecem-se provérbios como “Quem tem padrinhos não morre mouro” ou “Quem não poupa seu mouro não poupa seu ouro”.

            Vale, pois, refletir sobre se o Islão em Portugal trouxe, ou não, mais fascínio que perversidade. Pode até descobrir-se como as mouras perigosamente sedutoras das lendas e os mouros sinistros, noturnos e subterrâneos, mais não são do que entidades mitificadas que o imaginário construiu no seio de uma histórica urdidura político-teológica. São o paradigma do Outro. Um Outro que nós próprios projetamos num espelho do qual muitos teimam em ver apenas a face que mais convém. A face politicamente correta. Por isso, digam no Norte o que disserem do Sul… à certa, mouros somos todos nós.

(ap)

in Jornal de Notícias, 27-10-2023


quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Começar a ser grande com os livros

 

“Quem não aprende a gostar de ler aos dois, três, quatro, cinco, seis anos, mais dificilmente adere a esse prazer pelos oito, dez, doze, catorze anos”. Assim escreveu Marcelo Rebelo de Sousa, em 2006, enquanto agente e divulgador cultural, no prefácio de uma obra de reflexão sobre a nova Literatura para a Infância.

Na mesma sintonia, Fernando Azevedo, diretor do Programa de Doutoramento em Estudos da Criança da Universidade do Minho, defendeu que, “desde uma idade precoce, de preferência ainda antes do nascimento, a criança seja familiarizada com hábitos e práticas de leitura”, reconhecendo, assim, o papel primordial da família, mas também a convicção de que as crianças, no seu percurso de vida, irão manifestar maior motivação para a leitura se reconhecerem como socialmente relevante essa atividade, e esse reconhecimento ganha corpo quando observam os pais a ler e a escrever, isto é, a desenvolver práticas de literacia.

No início dos anos letivos, no ensino superior, sempre me deparei com jovens que são, à partida, bons leitores, e por isso cultos, bem-falantes, ágeis intelectualmente, e outros que o não são. Sempre os interroguei sobre os seus percursos, as influências recebidas, e constato que os mais cultos, mais inteligentes, mais capazes, tiveram na infância, no seio da família e da escola, um convívio marcante com a literatura infantil. Na família, ouvindo canções de berço, lengalengas, histórias ao deitar. No jardim-de-infância e na escola, com a magia do livro, as visitas à biblioteca escolar, as horas do conto, os encontros com escritores…

 Dedico estas palavras aos professores e, em especial, aos bibliotecários escolares, que com o seu labor e criatividade transformam a escola num verdadeiro reino de afetos. Começar a ser grande com os livros é o desafio. Uma parte de nós constrói-se com o que lemos. A outra com as emoções que cultivamos. Dentro e fora de nós.


In Jornal de Notícias, 10-10-2013


quinta-feira, 5 de outubro de 2023

O que simboliza, afinal, o 5 de outubro?

 

1 . A UNESCO, em 1994, criou o Dia Mundial do Professor para ser celebrado a 5 de outubro. Um dia para homenagear os professores e reafirmar a dignidade e a importância que lhes é devida enquanto pilar da sociedade. Algo que, infelizmente, em Portugal, anda deveras ignorado, e, por isso, os professores não param de lutar.

2 . Mas Portugal adotou a mesma data para comemoração da Implantação da República, contemplando-a com um feriado nacional.

3 . Entretanto, parece andar esquecido que foi também a 5 de outubro de 1143 que nasceu Portugal como nação independente. O Tratado de Zamora, resultante da conferência de paz entre D. Afonso Henriques e Afonso VII de Leão, seu primo, que aconteceu neste dia, assinala o nascimento do Reino de Portugal. Uma boa razão, pois, para celebrar também a mesma data com esse significado.

Portanto, para mim, Professor e Republicano, mas irredutível respeitador da História de Portugal, o feriado do 5 de outubro vale por tudo o que vai dito.

www.facebook.com/alexandre.parafita.escritor