A
memória oral como recurso historiográfico sempre encontrou resistência nos olhares
da academia tradicional. Contudo, reconhecem hoje muitos historiadores,
acompanhando a visão dos antropólogos, o quanto vale a memória oral para
suprimir a carência e/ou adulteração das fontes escritas, quando não entendidas
como autossuficientes para a compreensão da História.
Perante
isto, e em face das ambiguidades sobre as origens de Luís de Camões (não se
sabe onde, nem quando, nem como nasceu, nem onde estudou ou quem lhe ensinou o
muito que sabia), há que resgatar da memória oral a informação possível para
preencher tamanhos vazios. Na verdade, a aldeia transmontana de Vilar de Nantes,
muito próxima da Galiza, conserva a tradição oral secular de que as origens do
poeta estão ali. A uma casa, que ostenta gravado o ano de 1574 como data de
construção, o povo sempre chamou “Casa dos Camões”, e, à entrada da povoação,
uma placa diz ser aquela a “terra do pai e avós de Camões”. E foi tocado por
esta áurea da história oral que José Guilherme Calvão Borges, um militar e
heraldista flaviense, conseguiu, no início da década de 70 do século passado,
elementos seguros sobre a genealogia de Camões relativos à residência de Antão
Vaz e Simão Vaz de Camões (respetivamente avô e pai do poeta) na aldeia de
Vilar de Nantes.
Também eu, num trabalho académico dos anos 90, assinalei um soneto de Camões, escrito em língua galega, que começa “Alá en Monte Rey, em Bal de Laça (,,,)”, com alusão, no seu horizonte visual, a uma jovem, de nome Biolante, camponesa, por quem o poeta se terá deslumbrado. Para quem não sabe, Monterrey e Vale de Lassa são localidades fronteiriças que se avistam de Vilar de Nantes. A presença deste soneto entre a vastíssima obra do poeta poderá, assim, documentar uma adolescência ali vivida.
Quando se inicia o cinquentenário de Camões, por que não desafiar as universidades, historiadores e linguistas para um estudo aprofundado sobre esta causa?
In JORNAL DE NOTÍCIAS, 14-06-2024