quarta-feira, 29 de junho de 2022

Onde ficam os 95 anos de história do Colégio da Boavista?

 


Para quem passa por estas bandas, em Vila Real, já reparou que na fachada do histórico Colégio da Boavista (Nossa Senhora da Boavista) está agora Colégio de João Paulo II. Não pergunto a ninguém por quê, nem me interessa.

Interessam-me sim os 95 anos de história, a completar dentro de alguns meses. Símbolo de rigor, exigência e prestígio, era uma referência no ensino em Portugal. Chegou a ser a escola mais bem classificada no interior do país em todos os rankings de qualidade.

Interessa-me a memória dos milhares e milhares de alunos, vivos e falecidos, que por lá passaram. E a emoção com que recordam o "seu" Colégio.

Interessa-me recordar a memória dos heróis sem nome que o salvaram quando os tempos eram cruéis. Como António Alves Miranda, falecido em 2013. Foi ele quem salvou o colégio da falência nos anos 70. Reergueu-o do zero, quando todos o abandonaram em vista da falta de lucros. É preciso não esquecer que nesses anos, quando muitos homens e mulheres emigravam para equilibrarem as suas vidas, os filhos ficavam, confiadamente, aos cuidados deste Colégio como internos. Porém o dinheiro era escasso. Não chegava para alimentar tantas bocas e pagar a professores. Esteve, pois, para fechar portas, não fora o sentido cristão, altruísta e generoso do seu dedicado tesoureiro, que, receando pelo futuro de tantos adolescentes, desamparados e sem as famílias perto, assumiu ele próprio as funções de professor, contínuo e administrador… sem ganhar um tostão! Visitou um a um todos os credores, assumiu com eles compromissos pessoais, pediu todos os auxílios possíveis à comunidade local, e só assim conseguiu reerguer das ruínas a instituição.

Trabalhou quase até ao fim dos seus dias, e de forma graciosa, continuando responsável da contabilidade do Colégio da Boavista, mas também do Lar de Nossa Senhora das Dores, e ainda grande dinamizador dos coros da Sé e da Casa do Professor, enquanto frequentava a Escola Real de Música.

Saber honrar a memória dos Homens (com H grande) que constroem caminhos de luz, de generosidade e progresso é também um dom, mas que, infelizmente, nem a todos serve. O município de Vila Real já há muito deveria ter honrado a memória deste Homem.

quarta-feira, 22 de junho de 2022

Camões, visionário

 


Ao introduzir, no Canto IV dos Lusíadas, a personagem do Velho do Restelo escarmentando a partida dos navegadores para a epopeia dos Descobrimentos sob o argumento de que seria um desastre para a nação, Camões revelou uma visão profética intemporal, simbolicamente traduzida no pessimismo agourento daqueles que, no país, tudo fazem para desengrandecer desafios mais ousados e corajosos.

Veja-se o caso da Regionalização. Após a revolução de abril e, pelo menos, até 1996, o país estava determinado a avançar com a Regionalização, que, por isso, fora inscrita na Constituição de 1976 e confirmada pela Lei nº 56/91 de 13 de agosto. Seriam então criadas oito regiões administrativas, uma delas a região de Trás-os-Montes e Alto Douro. Porém, nada veio a cumprir-se, por força de desentendimentos políticos gerados posteriormente, em especial pelas posições antirregionalistas de franjas expressivas do PSD e CDS. Daí que, alterada a Constituição em 1997, ficasse a Regionalização dependente de um referendo popular, o qual, realizado no ano seguinte e precedido de uma poderosa campanha mediática que problematizou os ganhos previsíveis com a Regionalização, viria a pronunciar-se contra.

Entretanto, os ganhos esperados com a não-Regionalização, ao contrário do que fora apregoado, viriam a tornar-se o maior desastre da História. O Estado centralista reforçou-se e o interior empobreceu e esvaziou. O país está a ficar oco. Portugal perdeu.

Não admira, por isso, que, cinco anos após o referendo, numa sondagem efetuada no âmbito do Programa Prós e Contras da RTP, 46% dos portugueses, contra 22%, assumisse ter errado quando disse não à Regionalização. Vale, pois, a pena trazê-la para a ordem do dia, mas agora com um debate franco, leal e sem o pessimismo manipulador do passado.

in JORNAL DE NOTÍCIAS, 22-6-2022