Há 35 anos, subia eu a
escadaria deste histórico edifício da Avenida dos Aliados, no Porto, com a
cabeça cheia de sonhos, para responder a uma entrevista para jornalista
estagiário do prestigiadíssimo jornal que então ocupava o imóvel. Recebeu-me o
então administrador Adalberto Neiva de Oliveira, que, medindo por alto o meu
minúsculo currículo, logo me garantiu: “Ficará o tempo devido como estagiário,
e se nos der provas satisfatórias, entrará para os quadros”. Era assim naquele
tempo. Os jovens podiam sonhar. Cumprido o estágio com provas satisfatórias,
logo teria o posto de trabalho que almejava. (Ao invés do que vemos hoje: a um
estágio, segue-se outro estágio, depois outro estágio, e no final… outro
estágio; ou então o desemprego, o amparo dos pais ou a emigração). Ali fiz uma
carreira jornalística de quase 20 anos. Foi a minha melhor universidade.
Aprendi com os meus próprios erros e com os reparos e os exemplos dos colegas
mais experientes.
Em 2005 o jornal fechou
as portas e o país assobiou para o lado. De que lhe valeu o século e meio de
vida que havia já completado e ser o mais antigo jornal de Portugal
continental? De que lhe valeu ter sido a mais antiga escola de jornalismo? E ser
um testemunho vivo da História de Portugal vivida em três séculos? E nele terem
trabalhado e colaborado os melhores jornalistas e cronistas portugueses,
contando-se entre eles figuras notáveis da vida cultural portuguesa como Camilo
Castelo Branco, Carolina Michaëlis,
Guerra Junqueiro,
João de Deus,
Rodrigues de Freitas, Joaquim Augusto Pires de Lima, Rebelo da Silva, Pinheiro
Chagas, Maria Amália Vaz de Carvalho, Alberto Pimentel, Júlio Dantas, Henrique
Lopes de Mendonça, Afonso Lopes Vieira, António Correia de Oliveira, Augusto
Gil, Fialho de Almeida, Ramalho Ortigão e o próprio rei D. Carlos
e a rainha D. Amélia…?
O jornal fechou e
pronto. A sua morte foi acompanhada da mais impávida indiferença por parte dos
meios culturais, políticos e económicos. Foi então que comecei a perceber que
este Portugal já não era o mesmo. Um país que vê jogar fora um dos mais
valiosos monumentos à cultura e à memória coletiva, e fica a assobiar para o
lado, é um país a seguir um rumo estranho.
AP
2-6-2015