Trata-se de Aníbal Augusto Milhais, natural da pequena aldeia de Valongo de Milhais, do concelho de Murça. O seu apelido e o feito notável que praticou na famosa batalha levaram à criação da alcunha “Soldado Milhões”, que o viria a acompanhar toda a vida. Este humilde soldado transmontano partiu para a Flandres, em 1917, incorporado numa força militar portuguesa, destinada a reforçar as forças aliadas, as quais viriam a sofrer violentos ataques por parte dos alemães.
Segundo as notícias publicadas na época, as forças aliadas foram fortemente destroçadas, com muitas mortes, inclusive entre os militares portugueses. E foi no momento em que várias dezenas de militares, muitos deles feridos, batiam em retirada perante a perseguição do exército inimigo, que o jovem Aníbal ficou (negligentemente ou não) sozinho para trás e viu-se perdido, escondido numa trincheira, tendo com ele apenas uma metralhadora Lotz e uma grande quantidade de munições.
A sua única saída era: entregar-se ao inimigo; deixar-se abater; ou então enfrentá-lo. Optou por esta última, conseguindo “varrer”, ao que confirmaram muitos testemunhos, uma coluna inteira de alemães que iam em motocicletas na perseguição dos soldados aliados. Após este acto, prudente ou não, caiu-lhe em cima uma outra coluna de alemães que vinha em socorro dos companheiros atacados pela metralhadora entrincheirada.
Estes, que em princípio contavam que na trincheira se encontrasse uma quantidade vasta de soldados adversários, nem acreditaram quando de lá lhes saiu um único homem, um pequeno e esguio “Rambo”, com uma só metralhadora, agora recarregada de munições, a lutar perdidamente pela sua própria vida. A surpresa daqueles e o arrojo deste (assente na convicção de que nada tinha já a perder) foram determinantes para o resultado da façanha. Muitos militares alemães tombaram na sua frente e os outros trataram foi de fugir.
O Soldado Milhões viria a ser depois socorrido nos seus ferimentos por um médico escocês, que relatou a odisseia aos seus superiores e, a partir daí, a lenda correu o mundo.
Na memória oral transmontana chegou a andar uma quadra popular, que o autor destas linhas recolheu em Sabrosa, a qual dizia:
“Lá vem o grande Milhões!
Só por milagre está vivo,
Pois matou mais alemães
Do que os buracos dum crivo!”
Acabada a Guerra, o Soldado Milhões voltou à sua pobreza, à sensaboria da sua terra natal, onde viria a ter de sustentar, no árduo labor do campo, um outro “exército” – esse formado pelos seus oito filhos.
Uma neta do herói, a viver na Guarda, contou entretanto a um jornal (Terras da Beira) que o avô apenas recebeu da Pátria uma tença de quinze tostões após a Guerra. E lembrou também que, por ser tão pequenino esse pecúlio, chegou a haver quem lançasse na época uma subscrição pública para lhe ser construída uma casinha.
Hoje, numa Sociedade que tanto precisa de heróis (quando os não tem, inventa-os...) o nosso grande Milhões, quase ignorado a nível nacional, apenas possui um pequeno busto na sede do concelho de Murça e pouco mais. Felizmente, por estes dias, o Município está a homenageá-lo condignamente, no âmbito das celebrações do centenário da República.
Alexandre Parafita
in Diário de Trás-os-Montes
in Diário de Trás-os-Montes