Tenho em grande apreço os
velhos contadores de histórias. Ainda
que a sociedade moderna os ignore, não me canso de ir ao seu encontro ao
Portugal profundo, às aldeias recônditas. Com eles resgatam-se memórias que são
verdadeiros tesouros de cultura e saber. E ouvindo-os, sopram-se acendalhas que
fazem um pouco mais de luz no entardecer das suas vidas.
Agostinho
Barreira, um velho pastor da Serra do Alvão, hoje com os seus 88 anos, é um desses
contadores de histórias. Conta-as como as ouviu aos que já partiram, garantindo
que muitas lhe chegaram à passagem de peregrinos, vagabundos, almocreves e
galegos. Algumas são tão velhas como o mundo, do tempo em que os animais
falavam.
Num
dos encontros em plena serra, enquanto admoestava com um assobio a cabrada e o
rafeiro, confiou-me uma dessas narrações que, outrora, corriam entre as gentes
que iam e vinham nas rogas do Douro.
«Nessas
grandes quintas, – contou-me – havia antigamente os criados, que faziam o
trabalho do dia-a-dia. E havia os feitores que nada faziam e que só lá estavam
para dar ordens. Acontece que alguns eram ruins e faziam a vida negra aos
criados. Por isso, numa ocasião andava no seu trabalho um criado muito preocupado,
a praguejar e a lamentar a sua sorte, pois estava para vir um novo feitor, e
ele com medo que ainda fosse pior do que o anterior.
– Estamos mal. Vamos ter
um novo feitor, manda-nos fazer isto, depois aquilo, depois mais isto e mais aquilo,
vai ser o bonito...!
Ao pé dele, a ouvi-lo,
estava o burro, e, de tanto o ouvir, já estava, também ele, preocupado. Até que
lhe procurou:
– Olha lá, será que o
novo feitor me vai pôr duas albardas?
– Não, duas albardas não!
– Então quero lá saber!
Ele que venha, que a mim tanto se me dá!»
Mais do que uma oportuna visão
pragmática da política (ou não estivéssemos à vista de nova luta eleitoral), esta
metáfora mostra bem como o povo também sabe rir de si próprio. A forma mais
saudável de rir.
In JORNAL DE NOTÍCIAS, 26-1-2024