Num tempo em que as
mutações científicas e tecnológicas e os novos contextos político linguísticos tendem
a subalternizar a língua portuguesa, a Universidade de Coimbra chega-se à
frente e diz: basta.
Se fosse outra a fazê-lo
não faltaria quem visse aí os “coitados” do costume. Mas ainda bem que é a mais
emblemática universidade portuguesa, e que não o faz em algum momento de rebate
acidental, mas num dos seus atos académicos mais significativos: o encerramento
das comemorações dos 725 anos da sua fundação, corporizado num Congresso
Internacional da Língua Portuguesa: uma Língua de Futuro, que acontecerá de 2 a
4 de dezembro, com o propósito central de refletir sobre a língua portuguesa
numa visão prospetiva, como língua da ciência, como língua do conhecimento.
Sabemos bem como as
chamadas “sociedades do conhecimento”, dominadas pelo apelo à
internacionalização como princípio estratégico, são também dominadas por
modelos anglo-americanos que se impõem através da língua. Ditam regras e
critérios, impõem as suas influências no sistema científico internacional, não
escondem sequer alguns traços etnocentristas que se projetam numa clara
hegemonia de quem quer, e pode, encarar o Outro como inferior. E tendo a língua
como arma. Uma espécie de ditadura da língua. Porém combater hoje esta realidade
é “chover no molhado”. Seria até absurdo, especialmente no que respeita aos
anseios de muitos dos nossos investigadores assegurarem uma legítima projeção internacional,
mesmo que o façam procurando, de modo assumido, contornar o desconforto
sindromático da sua língua materna. Mas ignorar que é na língua de um país que
as especificidades socioculturais resistem, que têm nela o seu baluarte, é mais
absurdo ainda. Porque “a língua não é só um veículo, é um sistema de pensamento, é constitutiva de uma cultura”, como diz
Luís Fernandes. E não é por acaso, que os povos defendem, pela língua, o
seu direito à identidade, à diferença. Uma
preocupação que, afinal, a Universidade de Coimbra quer deixar bem expressa, ao
encerrar com chave de ouro, a comemoração dos seus 725 anos. Aplaudo,
pois, esta visão esperançosa de uma universidade, que assume, sem complexos, a
língua portuguesa como “uma das suas prioridades estratégicas”.
Alexandre
Parafita
in Jornal de Notícias, 31-10-2015