Irritou-me, há dias atrás, um anúncio que li num
jornal da nossa praça respeitante à abertura de um concurso, aí mandado inserir
por uma importante empresa pública. Ocupando um espaço enorme da página, para
que olhos nenhuns lhe escapassem, ao lê-lo tive a sensação de que se estaria a
abrir concurso para um lugar de diretor de serviços, chefe de repartição,
quadro superior (induzido pelo minucioso e exaustivo regulamento, assaz
criterioso nos inúmeros artigos, alíneas, nomeação de um júri numeroso e altamente
qualificado)… e, afinal, tratava-se apenas de um concurso para um simples
estagiário! Nem sequer era um emprego. Certamente, perante a penúria de trabalho
em que o país está, estarão a acorrer ao lugar centenas de jovens candidatos,
exibindo licenciaturas, mestrados, quiçá doutoramentos (com currículos que
superam, certamente, o de alguns governantes que temos tido)... e tudo para que
um deles (apenas um!) tenha direito a um simples estágio de 12 meses, com uma
remuneração de miséria, e findo o qual voltará para a rua. Não vai poder,
entretanto, programar a sua vida: ser independente, casar, ter filhos...
Pobre país precário este, com uma fasquia tão baixa!
Irrita-me ver tanto “foguetório” para o tão pouco que se tem para oferecer aos
nossos jovens: estágios, atrás de estágios, que nem chegam a ser a simples
ilusão de um posto de trabalho. Ainda que haja boas qualidades demonstradas,
desempenhos exemplares, a opção voltará a ser, no fim, o recurso a um novo estágio,
numa rotação infinda. Pelo meio, o assédio moral a pesar sobre o lado mais
frágil deste jogo, e a realidade incontornável de um país com 300 mil jovens
desempregados.
Há que recuperar o sentido nobre e esperançoso que um
estágio curricular e profissional vinha tendo na carreira de um jovem. Estou
solidário no combate ao abuso e banalização dos estágios e das leis absurdas
que os sustentam, e não me conformo vendo o país caminhar para uma nação decrépita,
com
pessoas idosas arrastando-se penosamente nos empregos e a sonhar com o oásis de
uma aposentação cada vez mais longínqua, enquanto os jovens, cheios de energia,
bem preparados, bem formados, inovadores, são enxotados das oportunidades de
trabalho efetivo como se de uma praga de tratasse.
Sempre procuro incutir nos meus alunos estímulos de
esperança num futuro melhor, mas já não me admira que o grande sonho de quase
todos seja mesmo procurarem esse futuro bem longe do seu país.
(AP)
In JORNAL DE NOTÍCIAS, 1-5-2005