sábado, 2 de maio de 2015

Tanto “foguetório” por tão pouco!


Irritou-me, há dias atrás, um anúncio que li num jornal da nossa praça respeitante à abertura de um concurso, aí mandado inserir por uma importante empresa pública. Ocupando um espaço enorme da página, para que olhos nenhuns lhe escapassem, ao lê-lo tive a sensação de que se estaria a abrir concurso para um lugar de diretor de serviços, chefe de repartição, quadro superior (induzido pelo minucioso e exaustivo regulamento, assaz criterioso nos inúmeros artigos, alíneas, nomeação de um júri numeroso e altamente qualificado)… e, afinal, tratava-se apenas de um concurso para um simples estagiário! Nem sequer era um emprego. Certamente, perante a penúria de trabalho em que o país está, estarão a acorrer ao lugar centenas de jovens candidatos, exibindo licenciaturas, mestrados, quiçá doutoramentos (com currículos que superam, certamente, o de alguns governantes que temos tido)... e tudo para que um deles (apenas um!) tenha direito a um simples estágio de 12 meses, com uma remuneração de miséria, e findo o qual voltará para a rua. Não vai poder, entretanto, programar a sua vida: ser independente, casar, ter filhos...
 
Pobre país precário este, com uma fasquia tão baixa! Irrita-me ver tanto “foguetório” para o tão pouco que se tem para oferecer aos nossos jovens: estágios, atrás de estágios, que nem chegam a ser a simples ilusão de um posto de trabalho. Ainda que haja boas qualidades demonstradas, desempenhos exemplares, a opção voltará a ser, no fim, o recurso a um novo estágio, numa rotação infinda. Pelo meio, o assédio moral a pesar sobre o lado mais frágil deste jogo, e a realidade incontornável de um país com 300 mil jovens desempregados.
 
Há que recuperar o sentido nobre e esperançoso que um estágio curricular e profissional vinha tendo na carreira de um jovem. Estou solidário no combate ao abuso e banalização dos estágios e das leis absurdas que os sustentam, e não me conformo vendo o país caminhar para uma nação decrépita, com pessoas idosas arrastando-se penosamente nos empregos e a sonhar com o oásis de uma aposentação cada vez mais longínqua, enquanto os jovens, cheios de energia, bem preparados, bem formados, inovadores, são enxotados das oportunidades de trabalho efetivo como se de uma praga de tratasse.
 
Sempre procuro incutir nos meus alunos estímulos de esperança num futuro melhor, mas já não me admira que o grande sonho de quase todos seja mesmo procurarem esse futuro bem longe do seu país.
 
(AP)
In JORNAL DE NOTÍCIAS, 1-5-2005