sábado, 10 de dezembro de 2011

Para além do Fado…





















Para além do Fado, há um Património Cultural Imaterial profundo, que provém das raízes do povo, dos seus mitos, crenças e rituais, que está em perigo de extinção em Portugal e poderá desaparecer, completamente, nos próximos vinte anos.
A classificação do Fado como património mundial pela UNESCO é uma grande vitória para Portugal pelo seu carácter identitário, não podendo, contudo, ignorar-se que representa uma cultura popular marcadamente urbana, que está de boa saúde e cuja salvaguarda está já assegurada pela proliferação de casas de fado e dos novos fadistas que abraçam a carreira.
Alcançada esta vitória, é agora importante que todas as energias se voltem para a protecção do património profundo, o qual, por sustentar-se em suportes extremamente frágeis que a sociedade moderna e a globalização põem permanentemente em causa, corre o risco de perder-se.
Perderam-se já muitas peças do romanceiro e do cancioneiro, porque se extinguiram alguns trabalhos rurais, tais como segadas, desfolhadas, malhadas, lagaradas e tornageiras. Perderam-se muitos registos lendários associados aos lugares de memória e à toponímia, pelo abandono das aldeias e retirada dos idosos para lares de terceira idade. Perdem-se os textos de orações populares, fórmulas de rezas, crenças e mezindas, porque se vão extinguindo as práticas creenciais de cariz popular, especialmente os rituais associados à medicina popular e aos antigos rituais de morte pela adopção de novas práticas civilizacionais que estão igualmente a fazer desaparecer as celebrações dos solstícios ou os ritos de iniciação dos rapazes.
A tradição oral é o veículo natural de sobrevivência deste património, juntamente com as vivências e os rituais que o suportam. Por isso, quando da impossibilidade de travar a extinção destes contextos vivenciais, há que desafiar os museus, os etno-museus ou os eco-museus, a intervirem mais activamente, não apenas nos inventários, nas também na reposição de réplicas desses cenários, para que as novas gerações, no mínimo, entendam o que valem estas memórias para a nossa identidade como povo.
Torna-se, por isso, imperioso e urgente identificar e inventariar os “tesouros vivos” do património, tal como fez já o Museu do Douro ao atribuir, recentemente, o diploma de “Narrador da Memória” a 26 idosos dos meios rurais.

(Dezembro 2011)
Alexandre Parafita
in Diário de Trás-os-Montes